eu só podia estar louca? #03 quando pensei demais sobre as minhas sobrancelhas
Afinal, são apenas sobrancelhas, certo? Eu acho que não.
Dizem que na hora da morte um filme das nossas vidas passa pela nossa cabeça. Comigo aconteceu quando estava preenchendo as sobrancelhas. Resolvi fazer uma make leve pra trabalhar e preencher um pouco as falhas entre os pêlos, quando de repente, do absoluto nada, entrei em parafuso e, caramba, eu ainda ligo muito pras minhas sobrancelhas!
Eu, que estava em processo de não ligar para as minhas sobrancelhas e devolvê-las para o seu devido lugar de apenas mais um par assimétrico de coisas no corpo humano, me convenci de que não precisava me preocupar com isso. Afinal, são apenas sobrancelhas, certo?
Sim, mas não. Sobrancelhas são mais um par assimétrico de coisas no corpo humano que o Instagram decidiu tornar objeto que precisa de harmonização nos rostos das pessoas, especialmente das mulheres. Homens começaram a se preocupar com isso também, mas pra eles ainda é uma escolha. Pra nós não. Mas pra ser mais justa, eu ligava muito pras as minhas sobrancelhas muito antes do Instagram.
Antes de continuar, acho necessário explicar algumas coisas aqui. Eu sou uma mulher gorda a vida inteira e existem dois tipos de neuras e fases carimbadas em todas nós: 1. Não ligo para absolutamente nada desta merda; ou 2. Preciso estar uma boneca.
Eu vivo as duas não linearmente. O que é comum, não só para mulheres gordas, como para qualquer mulher (que é bombardeada constantemente com a indústria da beleza estabelecendo tendências de moda e estilo com padrões inalcançáveis, porque o objetivo não é realmente nos fazer sentir perfeitos e sim fazer com que a gente ache que nunca está perfeita, motivando o consumo desenfreado, que é a mola impulsionadora do sistema capitalista patriarcal, nos adoecendo física e mentalmente durante o processo).
Voltando as sobrancelhas. Como estava dizendo, eu ligava muito. Vivi todas as fases: fina como um fio de cabelo, taturanas, bem marcadas, etc. Era viciada na pinça, não podia ter um fiozinho fora do lugar, desenhava com lápis, sombra em gel, em pó, tintura e tudo que vocês podem imaginar, para colocar aquele par assimétrico de pêlos sob controle, harmonizado. Agora eu penteio elas pra cima com um pincel e passo um lápis específico pra isso e, obviamente, não ficam do mesmo jeito, são cheias de falhas, mas apenas pentear me dá uma sensação de que estou no controle do que as pessoas veem quando olham pra ele. Uma falsa despretensão, em forma de mensagem subliminar, dizendo que eu eu sou sim uma boneca, mas bonecas não precisam ser perfeitas.
E essa é uma diferença crucial entre as neuras carimbadas na mente de uma gorda e uma padrão. Enquanto uma padrão pode escolher não ligar pra nada disso e ainda ser considerada bonita, arrumada e bem cuidada, a gorda não.
Lembro que na adolescência eu me masculinizei até o limite do que conseguia. Entendam masculinizar aqui no sentido do que é considerado socialização masculina na cabeça de uma adolescente dos anos 2000. Eu não queria ser vista pelo meu corpo e aparência, praticamente uma versão juvenil da Dra. Cristina Yang falando “Bonita? Dane-se bonita, eu sou brilhante!". Mas evidentemente não era isso. Eu sequer teria chances de me destacar pela minha beleza, caso fosse minha escolha.
Vinte e poucos anos depois, estou aqui tentando entender o que significa ter me tornado uma mulher que fez com que tudo fosse sobre o próprio corpo e como ele se apresenta ao mundo. Sigo me explicando porque eu nunca serei considerado uma mulher bonita, no máximo só uma gorda bonita, mas só sob a condição de que o meu cabelo seja hidratado e definido, que a minha pele não tenha poros visíveis, que as minhas unhas seja compridas e bem feitas, se eu for alta, mas não muito a ponto de ser maior que as pessoas com quem fico e as sobrancelhas perfeitamente simétrica, pra não evidenciar meu rosto redondo.
É exaustivo. Eu gosto de ser assim ou preciso me afirmar sendo assim pra sobreviver? E se eu deixar de ser assim, o que isso vai dizer sobre mim? Toda essa crise é sobre mim ou só estou sofrendo os surtos da imposição do autoamor?
Não sei. Ainda bem que tem terapia essa semana. Me desejem sorte!
Salvos nos meus Favoritos 📁
🎧 Ainda seguindo na beleza, ano passado lançamos um episódio do CAOScast sobre o tema, que foi bem polêmico: Tributo à Beleza. Ouçam e depois me contem o que vocês acharam. O roteiro é meuzinho, inclusive.
🎧 A Float também tem um episódio do vibes em análise sobre isso, que o nome é Desvios de Beleza. Super recomendo!
📱Minha amiga inteligentíssima e lindíssima Luana Carvalho tem criados conteúdos incríveis sobre a relação com o corpo e da individualidade enquanto mulher gorda e preta e vale consumir tipo maratona lá no Instagram dela @lxcarvalho.
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🐥 Como vocês já sabem, tô reunindo lá no meu Twitter a lista de tudo que tô ouvindo e vendo em 2023. Dá uma passada lá e me segue:


Depois de muitos anos lendo a newsletter de todo mundo (sério, todo mundo. Vou te dar um tempo pensar em uma newsletter qualquer aí… eu já li), resolvi trazer minhas crônicas AMADORAS pra cá e deixar rolar. Ainda não posso garantir peridiocidade ou até sentido, afinal isso aqui tem louca no título, mas eu quero! Se não tiver nada novo aqui, vai lá no meu Instagram ou no meu Tik Tok. Se não tiver nada novo lá, no meu Twitter com certeza tem.
Obrigada todo mundo que chegou por aqui, tá curtindo e comentando. É muito acolhedor poder trocar com todos vocês!
Por hoje é só. Espero encontrá-los, não harmonizados, na próxima edição. Até!
Eu simplesmente não consigo arrumar minhas sobrancelhas e não suporto a dor da pinça, hahaha. Tiro a emenda do meio e limpo o excesso embaixo com Gillette, é isso. Fica bom? Não, mas fica aceitável. 🫠 Força, Vanessa! 💪