#08 Anteriormente em: eu só podia estar louca?
Viralatismo, voltar com ex, vilania, memórias e plágio?
Olá, leitor.
As crônicas e ensaios desta edição do Anteriormente estão um pouco mais longas que o normal. Mas como você já sabe que eu sou incapaz de entediar alguém, por favor, segura esse excesso de cortisol e dopamina que te faz querer rolar a tela indiscriminadamente sem prestar atenção no que os seus olhos estão vendo e não te deixam entender porque a jout jout resolveu viver uma vida na área rural da Amazônia, e lê os textos com calma, tá bom?
Espero que você goste. Se gostar, comenta, dá like, passa lá no meu Apoia.se.
Até a próxima. ;)
#01 A Substância é Tropa de Elite
Vez ou outra uma obra cinematográfica desperta um verdadeiro gigante cultural e, de repente, não há no mundo algo tão significativo quanto aquele filme.
Quando a minha sessão de A Substância acabou aplaudia e as duas hispsters mais padrão que eu já vi na minha vida se olhavam com uma expressão “don’t touch, it’s art”, eu pensei: vai dar merda. E eu não tô aqui dizendo que o filme é ruim. Colocar a Demi Moore em um filme gore sobre pressão estética, com certeza foi uma jogada de mestre, mas na minha opinião ele não é toda essa subversão em forma de filme. Na verdade, ele é até bem clichê.
E sabe quando isso também aconteceu? O ano era 2007 e você tinha acabado de ver o Capitão Nascimento tacar fogo em pessoas numa pilha de pneus no topo do morro de uma favela do Rio de Janeiro. Se você não foi uma das pessoas que terminou o filme horrorizada, alguns anos depois, você com certeza é um daqueles que vestiu verde e amarelo e foi apoiar Sergio Moro nas ruas. Anos depois, com o segundo filme e muitas entrevistas, o José Padilha até tentou dizer que Tropa de Elite era uma crítica à truculência da polícia, mas tarde demais.
Pra ele, pra Coralie Fargeat e pro Johnny Hooker, com todo respeito.
Quando se lança um filme tão conectado ao espírito do tempo, é muito difícil que ele não crie uma agenda e que essa agenda não seja cooptada pela cultura vigente. Às vezes é através de uma gente que acha que tá lutando pela democracia e acaba orando pra pneus em frente aos quarteis das Forças Armadas. Às vezes é através de uma gente com dismorfia corporal criando fantasia de Halloween ao som de magras, magras, magras no Tik Tok.
A Substância está no MUBI, Tropa de Elite está no Globoplay e o comentário do Johnny Hooker tá no post da Fernanda Torres no perfil do The Academy Awards.
#02 Anéis do Poder é o mesmo que voltar com ex legal
Alguns finais de semanas atrás eu fui catapultada pra minha maratona anual de O Senhor dos Anéis. E se você é um nerd como eu, sabe que isso aí é pelo menos umas 10h de investimento de tempo, se não for a versão extendida.
Geralmente eu faço essa maratona lá pro final de dezembro, pra manter aquele sentimento nostálgico dos tempos de lançamento dos filmes no cinema e quando a gente já tem um pouquinho mais de tempo pra algo que não seja trabalho. Mas esse ano eu fui obrigada a adiantar a maratona, porque eu cometi o terrível erro de assistir a segunda temporada de Anéis de Poder que eu vinha adiando desde setembro. E se você é um fã nerd como eu, também sabe que eles conseguiram o impossível, que foi ser pior que a primeira temporada.
Lá pelo episódio 6 eu comecei a me perguntar como era possível odiar tanto personagens que eu amo há décadas? Por que voltar pra esse universo e estragar esses personagens clássicos? E aí eu lembrei.
Alguns dias atrás eu sonhei com um ex de muito tempo atrás, de uma relação relativamente longa. Os primeiros dois terços dessa relação foram incríveis, a gente era muito feliz, nossas famílias amavam a relação, e a gente levava muita luz pra vida um do outro. Mas era à distância e em determinado momento acabou. Anos depois a gente se reencontrou e resolveu voltar, obviamente éramos outras pessoas, com novas experiências e traumas. A luz virou trevas e o término foi pior do que eu poderia contar.
Algumas coisas realmente têm que acabar e só morar no tempo. Nem tudo precisa virar um trauma. Eu aprendi essa lição, agora é a vez da Warner e do Prime Video.


Eu não gostaria de ter que fazer isso, já que o musical já tem 21 anos, o livro de onde foi adaptado tem 29 anos e o Mágico de Oz, bom, quase 100 anos, mas a etiqueta contemporânea da internet me obriga a dizer que a próxima crônica contém spoilers.
#03 Às vezes, o único jeito é ser vilã
Às vezes você é programada desde cedo pra ser A Boa, mas outras vezes você é levada a ser dissidente, destoar, ser a Bruxa Má do Oeste.
Uma coisa que eu sempre amei em Wicked é esse começo meio Brás Cubas das ideias. Outros grandes musicais também começam assim, como Moulin Rouge, O Fantasma da Ópera, Across The Universe e, mais recentemente, Hamilton. Mas outra coisa que esses musicais têm em comum é um total desinteresse em protagonistas bonzinhos. E Wicked, provavelmente, é o roteiro que melhor trabalha essa construção, especialmente porque a Elphaba é bondosa
.Não é segredo pra ninguém que eu sou uma grande chorona, mas nada me preparou pra como o John M. Chu adaptou a cena do Ozdust Ballroom. Na peça, essa é uma cena bem cômica e a camada de drama que ele deu pro filme invadiu o meu subconsciente e abraçou várias memórias muito dolorosas
Se você, assim como eu, viveu bullying em algum momento da vida, ou talvez até na maior parte dela, sabe que existem duas opções. A primeira é se disfarçar, se camuflar completamente na multidão e se tornar imperceptível aos olhos do agressor. A segunda opção é vestir a camisa de força e se tornar tão diferente e absolutamente insano a ponto de olharem pra você e pensarem eu é que não vou mexer com essa maluca. A Elphaba escolheu a segunda opção.
E é esse momento que torna a cena no relógio tão importante nessa adaptação. Porque se lá em Ozdust Ballroom ela performa essa excentricidade pra que ninguém perceba o quanto o bullying tá doendo nela, em Defying Gravity ela realmente não se importa mais. Something has changed within me, something is not the same.
As coisas estão sempre mudando dentro da gente, mas às vezes algo realmente muda na espinha dorsal, no fundamento, nos alicerces e a gente toma posse do que é. E aí fica muito difícil não se tornar vilã em algumas histórias. Quem se beneficia e, principalmente, quem estrutura as inseguranças que a gente carrega não tolera inversões e subversões de papeis.
Dito tudo isso, essa crônica é um agradecimento a todas Glindas que passaram pela minha vida e me ajudaram a sobreviver à intermináveis Ozdust Ballrooms.
Assista Wicked no cinema. E ouça a soundtrack, que é muito preciosa e tem as gravações ao vivo do elenco nas gravações.
#04 Onde você estava quando o Senna…
Por falar em Memórias Póstumas, eu sei, todo mundo aqui já respondeu o que estava fazendo naquele domingo de maio de 94, quando o Senna morreu naquele GP amaldiçoado. Eu sei, também, que em 2024 todo mundo sente um rancinho dessa ideia de um campeão privilegiado, burguês, sem contornos.
Mas semana passada, a minha mãe, que é provavelmente a maior fã do Senna que existe, não perdeu tempo e foi assistir a nova série da Netflix. Em determinado momento, ela me chamou pra assistir um episódio específico com ela. Era o do GP do Japão, em 88. Ela queria que eu assistisse porque foi na noite do meu aniversário de 1 ano, que durou uma noite inteira só pra no final, todos subirem na laje da minha vó pra assistir a corrida. Quando olho pras fotos desse dia, estava todo mundo lá. Toda minha família e os melhores amigos dos meus pais.
Não demorou muito pra ela começar a chorar. E quando eu pensei que era por causa do Senna, na verdade era outra saudade. Dessa vez dos amigos dela, meu pai e tio Paulo, companheiros de uma vida, que hoje não estão mais entre a gente. Eu não consigo mensurar o que é perder os seus melhores amigos. Os meus estão vivos, a maioria depressivos ou com burnout, mas aqui comigo, marcando as passagens do tempo.
Apesar de marcados pela perda desse herói esportivo nacional, depois de assistir essa minissérie com a minha mãe, eu percebo que o principal feito do Senna no nosso imaginário, talvez, seja essa capacidade de marcar o tempo, enquanto lutava contra ele na pista e nesse curto período de dias que ele tinha aqui.
Agora, quando penso no meu aniversário de 1 ano, não é mais só o meu aniversário de um ano. É onde eu e todo mundo que me amava estávamos quando o Senna foi campeão do GP do Japão, em 88.
Um beijo, mãe.
#05 Qual o teu pacote de serviços?
Outro dia eu precisei relembrar a diferença entre cópia e plágio e aprendi que a diferença chave é que, enquanto a cópia pode ou não ser intencional e permitida, no plágio há intenção de se apropriar da autoria de algo. Pois bem, Google, então eu fui plagiada (musiquinha do final de episódio de Avenida Brasil).
Algumas semanas antes da edição anterior ir ao ar, eu fiz algo que é muito corriqueiro pra mim: falar um pouco de como estava o processo criativo e como eu estava associando as referências principais do texto. Elaborar esse processo junto com quem me segue é uma estratégia de conteúdo (de meio de funil se você ainda acredita em estratégias mais tradicionais de marketing ou se o seu público não é a gen z). Assim, o leitor que tá ali mergulhando nessa edição junto comigo é a pessoa que vai clicar mais rápido nesse link quando ele pipoca na Caixa de Entrada.
Até aí tudo bem, como a gente diz quando uma história está prestes a piorar. Acontece que eu esqueci de um pequeno detalhe. Tinha pelo menos uma pessoa ali nos views que o meu Sol em Escorpião não confiava muito. E se tem algo em que eu confio, é na minha desconfiança.
Alguns dias depois, rolando o feed do LinkedIn dei de cara com a minha pensata no perfil de uma profissional que é infinito ao quadrado mais perspicaz e experimentada do que eu. É óbvio que eu sei que não foi ela que me plagiou, mas sim quem atende ela como ghostwriter, que não sabe que eu sei que atende ela como ghostwriter.
É claro que, assim que eu vi aquilo, voltei pras minhas linhas, me aprofundei ainda mais e dei outro rumo pra elas. No fim do dia, eu me senti lisonjeada quando vi minha a minha ideia ali reciclada no LinkedIn. É bonito quando algo que a gente joga no lixo encontra alguém disposto a pegar e dar um novo lar. Só espero que ela tenha cobrado um valor em conta pra cliente, porque, pelo visto, criatividade não estava incluída no pacote.
Algo que os meus clientes nunca viverão. Inclusive, manda jobs.
Sério, mandem trampos.
Obrigada por ter lido até aqui!
Se for sua primeira vez, muito prazer, eu sou Vanessa Vieira e essa é a minha newsletter: eu só podia estar louca? Aqui eu conto causos da minha vida em crônicas ou ensaios, faço muitas analogias e indico coisas que estou lendo, assistindo e ouvindo. Se não tiver nada novo aqui, vai lá no meu Instagram ou no meu Tik Tok. Se não tiver nada novo lá, no meu Blue Sky (que descanse em paz, meu bom e velho Twitter) com certeza tem.
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Estou doida pra ver Wicked 💜